O evangelho de hoje nos desafia a amarmo-nos uns aos outros colocando em prática a “correção fraterna”, um conceito que desapareceu de nossa cultura. São Francisco de Sales faz referência a este conceito em relação ao tema da verdadeira amizade:
Muitas vezes ocorre que quando temos uma boa opinião de nossos amigos, terminamos absorvendo suas imperfeições. É certo que devemos amar nossos amigos apesar de suas faltas. No entanto, a verdadeira amizade exige que partilhemos o bem verdadeiro, não o mal. Portanto, da mesma maneira como os escavadores de ouro deixam de lado a areia e ficam com o ouro que encontram, aqueles que partilham uma verdadeira amizade devem remover a areia da imperfeição presente na relação e não permitir que esta areia entre em suas almas.
A verdadeira amizade somente sobrevive se estiver alicerçada na verdadeira virtude. É um efeito que vem de Deus, nos conduz a Deus e seus laços perduram eternamente em Deus. A amizade que é passiva se dedica a observar os amigos enquanto escolhem o caminho equivocado: os deixa perecer em vez de encher-se de coragem e fazer uso da correção para ajudá-los. A amizade que é verdadeira e digna não pode progredir no meio do vicio. Mesmo que este vício seja somente passageiro, a verdadeira amizade o corrigirá e o excluirá imediatamente.
Quando corrigimos com misericórdia em vez da ira, o arrependimento é assimilado de modo mais profundo e penetra mais efetivamente. Não existe nada mais efetivo e rápido para acalmar um elefante enfurecido, do que olhar para uma pequena ovelha. Quando a razão está acompanhada de raiva se torna mais temida do que amada. A diferença disto, a razão sem raiva, mesmo quando precisa e severa, repreende e adverte de modo pacífico. Os reproches generosos e amorosos de um pai tem mais poder na hora de corrigir o filho do que a raiva e a agitação.
Bem-aventurados os que falam somente para “corrigir fraternalmente” no espírito do amor sagrado e da humildade profunda! Muito mais bem-aventurados são aqueles que estão preparados para receber esta correção com um coração gentil, em paz e tranquilidade! Somente pelo fato de demonstrar sua humildade, sua fé e sua coragem, já conseguiram um grande progresso e alcançaram o nível mais alto da santidade cristã.
(Adaptação dos escritos de São Francisco de Sales, particularmente a Introdução à vida devota)
Perspectiva Salesiana
Destaque: “Não fiqueis devendo nada a ninguém, a não ser o amor mútuo, pois quem ama o próximo está cumprindo a lei”. (Rm 13, 8)
No dicionário Houaiss, a palavra “dívida” é definida como a “quantia que se tem de pagar a alguém - obrigação moral contraída por favor e/ou bem recebido”. Buscando-se a raiz da palavra (indo-europeia) encontramos: dar, perdoar, obséquio, habilidade, obrigação e objetivo.
A vida está cheia de dívidas, obrigações e coisas que devemos aos outros em espírito de serviço. Algumas das coisas que devemos aos outros incluem custos de matrícula, impostos, créditos, dívidas de cartões de crédito, contas de serviços, trabalhar por nosso salário, seguros, custos de serviços de saúde... e a lista continuaria e seria muito comprida.
Noutro plano, mesmo que menos óbvio, existe uma gama de coisas que são ainda mais importantes e que devemos dar aos demais em espírito de generosidade: tempo, talento, respeito, reverência, fidelidade, honestidade, cuidado, preocupação, consideração, bondade, paciência, justiça, paz, reconciliação... e esta lista também seria muito comprida.
Suponho que se uma pessoa se detivesse em considerar todas as coisas que ela deve para si mesma ou deve a alguém, isso poderia resultar numa experiência estressante. Talvez seja melhor fazer o que São Paulo aconselha, quando nos diz: “Não fiqueis devendo nada a ninguém, a não ser o amor mútuo”. A dívida do amor – o laço do amor – não é somente a obrigação mais importante que temos para com os outros, mas inclui também todas as outras coisas, virtudes e ações que devemos aos outros... coisas que devemos dar aos outros.
Numa carta a Santa Joana Francisca de Chantal, São Francisco de Sales escreveu: “Devo dizer que não sei de nenhum tipo de união ou de laço que nos una, nem que implique outro tipo de obrigação que não seja do amor divino e a verdadeira amizade cristã, que São Paulo chama “a união na perfeição”. Este laço é como seu nome indica perfeito, porque é indissolúvel e jamais se enfraquece. Qualquer outro laço é passageiro... mas o laço do amor cresce e se fortalece à medida que o tempo passa. Não pode ser cortado pela morte, que numa tacada corta tudo, exceto a caridade... assim, pois, este é nosso laço, estas são as nossas algemas. Quanto mais nos apertam, quanto mais nos cortam, mais alegria e mais liberdade nos trazem... nada é mais flexível do que este laço e nada é mais forte”. (Cartas de Direção espiritual, pg 127).
Nossas vidas estão cheias de dívidas e de obrigações que temos com os outros. No meio dos intentos que fazemos diariamente para cumprir com estas obrigações, que Deus nos dê a graça para recordar e enfocar-nos na dívida que verdadeiramente importa.
O laço do amor... as obrigações – a tudo que isso conduz.
P. Michael S. Murray, OSFS – Diretor do Centro de Espiritualidade de Sales.
Tradução: P. Tarcizio Paulo Odelli – sdb
Leituras deste domingo:
Ezequiel 33, 7-9
Romanos, 13, 8-10
Mateus 18, 15-20
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